Mas escrever não é o único invento que nasceu no instante daquela primeira incisão: uma outra criação aconteceu no mesmo momento. Uma vez que o objetivo do ato de escrever era que o texto fosse resgatado - isto é - lido, a incisão criou simultâneamente o leitor, um papel que surgiu antes mesmo de o primeiro leitor adquirir presnça física. Ao mesmo tempo em que o primeiro escritor concebia uma nova arte ao fazer marcas num pedaço de argila, aparecia tacitamente uma outra srte sem a qual as marcas não teriam nenhum sentido. O escritor era um fazedor de mensagens, criador de signos, mas esses signos e mensagens precisavam de um mago que os decifrasse, que reconhecesse seu significado, que lhes desse voz. Escrever exigia um leitor.
A relação primordial entre escritor e leitor apresenta um paradoxo maravilhoso: ao criar o papel do leitor, o escritor decreta também a morte do escritor, pois, para que um texto fique pronto, o escritor deve se retirar, deve deixar de existir. Enquanto o escritor está presente, o texto continua incompleto. Somente quando o escritor abandona o texto é que este ganha existência. Nesse ponto, a existência do texto é silenciosa, silenciosa até o momento que o leitor o lê. Somente quando olhos capazes fazem contato com as marcas na tabuleta é que o texto ganha vida ativa. Toda escrita depende da generosidade do leitor.
(RSF)